"Te amo como as begônias tarântulas amam seus congêneres,
como as serpentes se amam enroscadas lentas
algumas muito verdes outras escuras,
a cruz na testa lerdas prenhes, dessa agudez que me rodeia,
te amo ainda que isso te fulmine
ou que um soco na minha cara
me faça menos osso e mais verdade."
Hilda Hilst
Ela acordou como num dia qualquer, tomou seu banho, separou um belo vestido preto, como se quisesse vestir luto. Arrumou impecavelmente seus cabelos, maquiou-se perfeitamente, tudo com o maior cuidado, com a maior calma. Ao sair de casa, beijou sua mãe e sua filha, mas nada a fazia temer em sua própria consciência. Ao sair pela porta de casa, seu gato, jogou-se aos seus pés, como se tivesse a intenção de fazê-la ficar. Ela o pegou no colo, o acariciou por alguns segundo, e depois seguiu em frente. O olhar perdido parecia mostrar ausência de qualquer sentimento. Pegou um ônibus, no caminho continuava quieta, imóvel e emblemática. Ao chegar a seu destino, parou em uma loja de chocolates, comprou uns bombons de licor, pois já havia tempos que ela não provara alguns. Seguiu para um mercado, comprou uma garrafa de conhaque, a bebida mais forte que lá havia. Novamente seguiu em frente em direção ao ponto de ônibus. Ia para um lugar qualquer, já não sabia mais seu rumo. Abriu o embrulho com os bombons e os saboreou como se fosse a ultima vez. Retirou de sua bolsa uma caixa de tranquilizantes e tomou todos de uma só vez. Abriu a garrafa de conhaque e bebeu para ajudar a engolir os remédios. E continuou enigmática. Parada, talvez reflexiva... Mas quem vai saber realmente? Talvez estivesse pensando em como imaginou que sua vida seria aos 24, ou talvez nos sonhos de criança, nos quais pensava ser médica. Ou mesmo nos planos de uma adolescente que quase se tornou piloto de caça das forças armadas. Ou quem sabe simplesmente no plano de ter dado certo, de ter feito certo, de ter escolhido certo, ou ao menos de não ter errado tanto, de ter feito sua vida tomar um rumo sem volta, um abismo sem fim. Talvez um erro a mais ou um a menos já não fizesse diferença em sua mente naquele momento... Mas quem vai saber do que ela verdadeiramente pensava?

Ju,
ResponderExcluirQuanta força nesse texto.
Nossa conversar não deu para descrever tamanha narrativa é tão real... Palpável até.
Vale uma continuação, afinal o ela verdadeiramente pensava???
Abraços
Sérgio